sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Liberdade… para ir e vir… para entrar e sair Paz… para poder ficar


“O sinal mais eficaz para medir a verdadeira estatura democrática de uma Nação moderna consiste na avaliação do seu comportamento para com os imigrantes.
(João Paulo II, discurso em Guadalupe)


Emigrantes são os que de cá saem. Imigrantes são os que para cá vêm. Ouvimos muitas vezes dizer – “Os nossos emigrantes” – instintivamente, os emigrantes são nossos, e os imigrantes que cá estão, são os emigrantes dos outros!E os que sempre por cá estiveram, que são? Não seremos também migrantes… Duma outra qualquer classificação?Porque será que o (e) de emigrante e o (i) de imigrante, a diferença duma simples letra, provoca tantas e tão pesadas consequências nas pessoas duma e de outra situação?

Ao fim e ao cabo, não seremos todos migrantes de passagem entre os hipotéticos céus e infernos, entre a vida e a morte, entre o lugar de nascença e o buraco onde a terra recuperará a matéria de que o nosso corpo é feito?Que me perdoem @s leitor@s, mas, possivelmente, todos vós tereis passado por momentos como este em que vos escrevo a anunciar o aparecimento do nº 10 desta revista. Momentos em que, apesar do imediatismo das tarefas quotidianas que nos esperam, não nos podemos impedir de parar para pensar no sentido da nossa passagem, da nossa migração por este mundo!

De facto, partilhar informações, toda a gente diz fazê-lo: conseguir partilhar sentimentos é mais difícil. Porém, confio na vossa tolerância e na cumplicidade que já vamos gerando ao fim destes 10 números a falar de assuntos bem diversos, para tornar possível a mútua satisfação de nos sentirmos mais ricos e humanos após nos termos deixado interessar pelas sugestões de pensar e interiorizar, em comum, diferentes raciocínios sobre as mesmas coisas, mas sempre convergindo sobre os parâmetros fundadores da nossa identidade regional e nacional, no contexto territorial da BIS.

Bem. Neste número falaremos essencialmente de migrações. Não se trata de um qualquer estudo estruturado sobre uma das possíveis abordagens do tema.Convidamos pessoas, interessadas e mais ou menos conhecedoras do presente e dos passados recentes das migrações que fizeram e fazem parte, pela ausência ou pela presença, do nosso viver comum.

Falamos com pessoas de muitas condições e procedências a quem solicitamos as suas opiniões, opiniões que aqui vos deixamos, com o propósito de, se possível, alargar e aumentar a vossa e nossa compreensão sobre o que significa protagonizar as diferentes situações decorrentes das diversas formas de ser migrante, e sobre os problemas concretos que afligem as migrações de hoje.

Trazendo mais este tema a reflexão e debate, penso estarmos a cumprir com um dos principais objectivos inicialmente propostos para esta revista: “o de estimular-nos mutuamente a exercitar o nosso cérebro”, procurando compreender o mundo que nos rodeia, para podermos ser mais eficientes e competentes em defesa dos nossos interesses individuais e colectivos e da imagem e do progresso da BIS, nosso território de origem e/ou opção.

Para conseguirmos sentir que estamos a progredir no bom caminho, a partir de agora, procuraremos relacionar-nos com aqueles que à nossa volta são os nossos “conhecidos” desconhecidos. Dirigir-se a um migrante é fazê-lo sentir-se alguém igual a nós; só não entende a importância do gesto quem nunca viveu sozinho em sociedade alheia.

António Realinho
Director da ADRACES

Migrações: A sua importância para o Desenvolvimento da BIS


1. Em quase todas as aldeias e vilas da BIS, há famílias que vivem ajudadas pelos migrantes. Pelos seus que emigraram e vão mandando alguns euros para completar as magras reformas, ou pelos que para cá vieram e ajudam os idosos que ficaram nos trabalhos que faziam os que partiram!Em quase todos os lugares da BIS, dos mais pequenos aos maiores, há comércios abertos, sobretudo cafés e pequenos super-mercados, criados por ex-emigrantes. Comércios e lugares que ajudam a animar as pequenas terras e a diminuir a aceleração do seu despovoamento.

2. Muitos dos líderes e activistas mais dinâmicos das colectividades locais, culturais e desportivas, ganharam essa sensibilidade e experiência, esse gosto pelo trabalho associativo, nas associações das comunidades portuguesas da emigração, estimulados por um certo e inconfessado “peso de consciência” por ter abandonado a Pátria. Lá fora, participar na “Associação portuguesa” é uma forma de sentir a Pátria perto de si; uma maneira de compensar o sentimento de ausência e de se sentir mais seguro entre iguais. Por isso, quase todos os nossos emigrantes, de uma forma ou de outra, são activistas associativos!

3. Entre os mais esclarecidos autarcas da BIS, muitos foram emigrantes e ganharam lá fora, em contacto com sociedades democraticamente mais evoluídas e consolidadas, o gosto pela actividade política, pela gestão da vida pública e pela participação cívica.

4. Há quem estime em mais de 500 mil o número de pessoas, naturais da BIS, que se sentiram compelidos a emigrar para poder sobreviver com alguma dignidade e conforto, ao longo dos últimos 50 anos. Em parte, o impacto negativo dessa hemorragia demográfica está bem visível na nossa paisagem rural, embora para a situação actual tenham contribuído outros factores de política interna.Este é sem dúvida o nosso maior “prejuízo”; mas, as migrações, nunca são só prejuízos ou ganhos. Há sempre desvantagens e vantagens.Os ganhos culturais e tecnológicos, científicos e empresariais, obtidos pelas pessoas que emigraram, nunca teriam sido possíveis com os nossos costumes e meios. Também os trabalhadores emigrantes, a todos os níveis, têm feito e estão fazendo os seus “ERASMUS”. E isto é um incalculável benefício a ter em consideração.

5. Os contributos das migrações para o Desenvolvimento da BIS, positivos e negativos, têm sido contributos auto-decididos e sem nenhuma ou muito pouca intervenção dos responsáveis pela governação da BIS e/ou do País. Parece-nos indispensável mais “pedagogia activa” para motivar maiores benefícios. Nós limitamo-nos, na medida das nossas possibilidades, a procurar contribuir para que o tema mereça maior atenção da parte dos poderes públicos e da sociedade civil organizada locais, a fim de podermos evoluir para outros patamares de acção pró-activa e muito menos passiva, ou neutra, em relação à optimização dos resultados que, para a BIS, se podem obter dos movimentos migratórios do presente e do futuro. Esta a razão essencial para trazer a conhecimento público opiniões e depoimentos sobre o tema.


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... E vão dez


Com esta chegámos à dezena. Para que os atrasados e/ou distraídos não se venham depois queixar, aqui relembramos os grandes temas tratados anteriormente: 1. Os velhos da raia; 2. A juventude da BIS; 3. Associações e associativismos da BIS; 4. Artes e artistas da BIS; 5. Agriculturas e agricultores da BIS; 6. Artesãos e artes populares da BIS; 7. A educação e o ensino escolar no desenvolvimento da BIS; 8. Turismo e desenvolvimento local na BIS; 9. Cooperação e desenvolvimento local – mitos e realidades; 10. Migrações, a sua importância no nosso desenvolvimento.

Temos consciência das dificuldades inerentes à concretização da nossa pretensão de fazer da Beira Interior Sul um território coeso, capaz de definir objectivos comuns, em que todos se revejam e se sintam implicados.

Estamos convictos que essa (a coesão activa) é a grande mais-valia que projectará as nossas terras e vidas para a exemplaridade governativa do século XXI, e para o alcance de mais satisfatórias condições de vida.

Para muitos, este grande objectivo estratégico, não passa de mera e ousada utopia! Utopia ou não, é esta a grande ambição da VIVER, a nossa grande motivação. Contribuir para o entendimento entre todos os interesses e protagonismos existentes na BIS. Contribuir para a capacidade de todos e cada um de nós em sacrificar algum do nosso interesse pessoal em benefício do interesse colectivo.

Por experiência, temos noção da lentidão e descontinuidade existentes na progressão dos processos de mudança social. Mudar comportamentos arreigados e interesses instalados, é como água mole em pedra dura… dura, dura… mas tanto bate até que fura!

Claro que não temos a pretensão de ter, nem sequer, a força da água mole.

Apesar disso, sentimos a obrigação de usar os meios que temos e a limitada inteligência que nos deram, para ajudar, para provocar a reflexão, para chamar cada vez mais pessoas para a prática do entendimento tolerante e activo em favor de acções comuns, cada vez mais decisivas para os nossos futuros.

Há quem, abdicando de toda a responsabilidade sobre as leis que temos, pense que não nos podemos auto-governar porque as leis deste país não o permitem, são centralizadoras e “impostas de cima”, etc. e tal.

Não se deve pensar dessa maneira, não temos nada de ficar à espera que nos “regionalizem”, que nos “localizem”, que nos “autonomizem”. Pela nossa capacidade de entendimento e pela nossa decisão e prática de agir concertadamente, somos nós que nos regionalizamos, que nos autonomizamos, sem necessidade de que alguém o decrete.

O exercício responsável da LIBERDADE também é isto!

Como alguém disse: - fazer sermões sobre a liberdade, sem se esforçar por desenvolver a responsabilidade que o seu exercício quotidiano exige, nem criar as condições prévias à possibilidade da sua existência prática, leva-nos ao Fascismo.

É para esta causa que, número a número, com a clareza de que somos capazes, fazemos e levamos até vós a VIVER… vamos lá… pela BIS!

O Editor,
Camilo Mortágua

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terça-feira, 5 de agosto de 2008

ADRACES: Nascida e criada para cooperar

COOPERAÇÃO… é a palavra forte desta edição. Mas não é simplesmente uma palavra… é a razão própria da nascença e existência da ADRACES.

Ao escolher para grande tema a “COOPERAÇÃO”, no sentido mais abrangente do termo, quisemos ouvir diferentes opiniões sobre o acto de cooperar, a todos os níveis: da família, das relações de proximidade e de amizade, da comunidade, da BIS, da Região, do País, da Europa e de toda a HUMANIDADE com que nos possamos relacionar.

Gostaríamos de ter contado com mais contribuições, mas nem todos os convidados puderam dispor de ocasião para tal, a todos agradecemos a gentileza de nos terem escutado e incentivado a continuar com o trabalho que temos vindo a desenvolver, e de trazer para a reflexão colectiva temas que são determinantes das nossas condições de viver e de vida.

A ADRACES nasceu dum acto de Cooperação entre as quatro autarquias da BIS e de mais um punhado de cidadãos empenhados em cooperar para bem desta sub-região da Beira Interior Sul – BIS.

Assim nascida, não podia fugir, como popularmente se diz, à sua sina.

Por isso, ao longo destes 16 anos de actividade, temos dedicado especial atenção a esta dimensão da nossa prática, consubstanciada em iniciativas e acções que aqui resumimos:

- Celebração em 1993 de um protocolo de cooperação entre a ADRACES e a ADISGATA (ES) e PATRONATO PEDRO DE IBARRA (ES), com base no qual se instituiu a denominação de “LA RAYA/A RAIA”. Em 1995, aderiram ao projecto mais 3 entidades espanholas e 1 portuguesa, cujas zonas de intervenção são contíguas à zona de intervenção circunscrita pelas “entidades fundadoras”. As actividades desenvolvidas foram:

- Edição de folheto bilingue caracterizador das zonas;

- Criação de uma base de dados sócio-económicos das várias zonas;

- Participação conjunta em feiras e exposições;

- Desenvolvimento de um programa estratégico de desenvolvimento para as zonas de abrangência das associações, bem como a promoção do intercâmbio sócio-cultural entre as populações;

- Realização de uma feira anual, rotativa, transfronteiriça;

- Criação da associação internacional “LA RAYA/A RAIA”;

- Prestação de serviços de apoio técnico a pequenas empresas.

- Associação de Direito Internacional DELOS - Constellation. Tratou-se de uma rede europeia para o desenvolvimento local sustentado dos 15 estados-membros da UE. A ADRACES foi um dos membros fundadores.

- Meios de comunicação em zonas rurais (Portugal, França, Espanha);

- A sustentabilidade dos sistemas agrários nas zonas deprimidas da bacia do Mediterrâneo (Portugal, Itália, Espanha);

- A integração do meio natural no desenvolvimento do território (Itália, Espanha, Portugal);

- RISE – Emergir (Alemanha, Itália, Portugal);

- O desenvolvimento sustentado na Europa do Séc. XXI (Portugal, Espanha).

- GEIE – Grupo Europeu de Interesse Económico, para a comercialização de produtos locais (Portugal, Itália, França, Espanha, Chipre, Grécia).

- Secretariado Permanente da APURE – Associação para as Universidades Rurais Europeias, Associação da qual a ADRACES é Vice-Presidente do Conselho de Administração e com o pelouro da Tesouraria.

- Através da APURE, a ADRACES está igualmente associada a um grande número de Plataformas e Redes Europeias de Cooperação para o Desenvolvimento Rural, em representação da qual participa regularmente do Grupo Consultivo para o Desenvolvimento Rural, da Comissão Europeia.

- Na secção “Os Nossos Parceiros”, esta revista tem dado conta de algumas das nossas actividades mais relevantes.


Estas são apenas algumas das acções ou iniciativas desenvolvidas. Como alguém disse: COOPERAR é como SEMEAR. Semear, não na terra, mas no coração das pessoas com que cooperamos. Como na agricultura, colheremos ou não, conforme os tempos decorrerem, mas, duma coisa há sempre a certeza, sem semeadura não pode haver colheita… A ADRACES semeia, mesmo sabendo que nem sempre se colhe, e quase nunca no momento previsto! Os nossos Pais também assim fizeram…"cooperaram" na esperança incerta de que nós nascêssemos!

O Director
António Realinho

Foto: Fish-Eye

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É a vida que está cara… Ou nós é que não sabemos comprar?

Mas a vida também se compra!? Claro… a todas as horas e todos os dias compramos coisas boas e más para vida. Escolher as compras que alimentam e prolongam a duração da vida ou as que, pelo contrário, só a agridem e diminuem, deviam ser opções livres e responsáveis… mas não são. Neste mundo, existem multidões de seres humanos que são obrigados a comprar, apenas e tão só, aquilo que os seus parcos rendimentos lhes permitem, quer em qualidade, quer em quantidade.

Mas também existem os que, sem necessidade, compram o que agride a própria vida, por simples “opção de vida”!

Destes últimos não nos ocuparemos nesta reflexão que nos propomos partilhar com os leitores destas páginas do número 9 da nossa revista.

Todos ouvimos, vemos e lemos as notícias da crise alimentar, do aumento dos preços dos produtos básicos da nossa alimentação. “A vida está tão cara” que os pobres não a conseguem alimentar! Mas… será mesmo assim?

O que é um produto caro? – É um produto que sendo essencial à manutenção da vida, não está ao alcance da maioria, ou é um produto, produto da intoxicação “marketingueira” em favor do crescimento do consumismo/produtivismo ad infinitum, comprado por ignorância ou simples tentativa de aquisição de status social?

Caro é um quilo de arroz pelo qual cheguemos a pagar 2 ou 3 euros, ou uns bilhetes para o futebol ou para ver a Madonna a 60 euros?

Caro é um quilo de bom peixe por 6 ou 8 euros, ou mais; ou 2 decilitros de creme para fazer caracóis brilhantes no cabelo, pelos mesmos 6 euros? (São apenas alguns exemplos).

Bem sei, é subjectivo, e nem só de estômago é feito o Homem! Cada pessoa tem as suas necessidades, etc. e tal. Pois é, mas, normalmente, a cabeça não funciona com estômago vazio! E, também normalmente, sucede acontecer o que aconteceu ao burro do cigano, quando estava habituado a não comer… morreu.

Muitas das vozes, que agora mais se ouvem a defender os pobrezinhos que não podem comprar a comida ao preço que está ou vai ficar, pertencem às mesmas pessoas, às mesmas organizações e interesses, que ao longo destes últimos 25 anos aproximadamente, obrigaram os produtores de bens alimentares, sobretudo os mais pequenos – e menos competitivos em relação aos grandes grupos internacionais agro-alimentares –, a terem de produzir abaixo dos custos reais de produção, condenando-os à miséria ou a abandonar as suas explorações, a emigrar para os centros industriais, para aí trabalharem para quem objectivamente os tinha “escorraçado” dos campos!

Quiseram habituar-nos a uma alimentação “abundante e barata” (há 60 anos uma família gastava o dobro para se alimentar), sem olhar à qualidade, para que dos rendimentos das famílias sobrasse o suficiente para lhes comprarmos todas as “bugigangas mais ou menos supérfluas” que o seu grande espírito empreendedor e a ânsia de lucros iam produzindo.
A partir dos “famosos gloriosos anos” que se seguiram por três curtas décadas à última grande guerra, o poder político passou definitiva e radicalmente de mãos, saiu dos campos e concentrou-se nas mãos dos grandes senhores da indústria manufactureira e da banca, sua intermediária na captação dos recursos financeiros necessários à sua expansão.

Controlado o poder político e financeiro, ainda por cima apoiados por políticas subsidiárias geridas pelos próprios e pagas por todos nós, foi-lhes fácil apoderar-se dos meios de produção, de transformação e distribuição agro-alimentar, concentrando nas suas mãos o controle do mercado; quando o conseguiram, bastou-lhes provocar a escassez para aumentar os preços e os lucros próprios, mas não para dar o justo pagamento a quem possa produzir em pequena escala e com a garantia de qualidade que é dada pela relação directa entre produtor e consumidor.

Hoje, querem convencer-nos de novo que os responsáveis por alimentar os pobres deste Mundo são quem produz alimentos. Na opinião deste sábios economistas: os trabalhadores agrícolas, os pequenos e médios agricultores, as pessoas que se esforçam por cuidar da terra mãe e da qualidade do que comemos, é que têm que vender a perder o produto do seu trabalho, para que os pobres gerados pela lógica da competitividade sem limites se possam alimentar!

Que se acabem os subsídios e se criem as condições para que quem produz possa viver dignamente do seu trabalho, sem estar à mercê de esmolas condicionantes da liberdade de opções e de opinião.

Em última análise, a questão dos pobres poderem ou não adquirir o essencial da sua alimentação não é um problema agrário, é uma questão social. Subsidiem-se os consumidores pobres e pague-se a quem produz o justo preço pelo seu trabalho!

Caros leitores, pode parecer-vos estranho que, sendo "A cooperação e o Desenvolvimento Local" o Grande Tema desta edição, tenha derivado para estes ligeiros comentários sobre o tema da crise alimentar. Por estranho que vos pareça, penso que uma coisa tem tudo que ver com a outra, a valorização dos nossos produtos locais e a reanimação dos nossos campos e aldeias dependem da evolução que vier a ser dada a estas questões.

Se estas breves linhas tiverem servido para despertar em vós algum interesse pela discussão destes assuntos, dou-me por satisfeito.

Boas férias, se possível cá dentro, em segurança rodoviária e alimentar.

O Editor,
Camilo Mortágua

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A cooperação de proximidade (Local)


É um facto. A Grande maioria da Humanidade está mais interessada na riqueza material do que na ética ou na moral!

Assim sendo, a diferença entre “o que é e o que devia de ser” (se fosse como nós achamos que devia) é como da noite para o dia.

O que devia de ser resta sendo a nossa utopia, mas, até por isso, – “para que o Mundo pule e avance como bola colorida nas mãos duma criança” – é nosso dever permitir que eles, os sonhos, nos mostrem caminhos para a vida.

Isto para tornar claro que, embora saibamos que as boas práticas de cooperação estão longe de ser uma realidade generalizada nas intervenções de Desenvolvimento Local, (e por isso), defendemos a necessidade de continuamente insistir na pedagogia da acção conjugada, na importância de combater o protagonismo individualista, nas vantagens decisivas de agrupar, juntar, unir, coordenar esforços, e… evitar os perigos fatais do isolamento, da acção pessoal isolada pelo segredo, da tentativa de desunir para reinar, da falta de concepção, programação e execução conjuntas, etc.

Ao falar de COOPERAÇÃO, queremos dar a esta palavra a maior abrangência possível. Queremos, em última análise, falar da capacidade de cada um, para encontrar em si o respeito e o reconhecimento pelos outros.

COOPERAÇÃO dentro e entre pessoas e instituições da BIS a todos os níveis, mas também com as pessoas e instituições de outras regiões, de outros Países.

Cooperar é como SEMEAR ou PLANTAR… só semeando ou plantando se PODE colher, independentemente da época da colheita.

É o que pretendemos fazer… semear, plantar, até que as forças e os meios permitam.



“Cooperação entre “desiguais”

“Quem tem poder, tem sempre medo de o perder!”
(diz o Joaquim Alberto na sua “carta de Paris”)


É, quem tem poder; qualquer poder, pequeno ou grande, real ou imaginado, em primeiro lugar preocupa-se em o conservar e, para tal, sente “naturalmente” a necessidade de controlar constantemente o uso que do “seu poder” fazem aqueles com quem se relaciona, não vá esse poder diluir-se ou passar-se para mãos alheias!

A obsessão da conservação dos poderes pessoais é um “vírus” que ataca com muita frequência os “líderes” de pequenas ou grandes equipas em todas as áreas da actividade humana (subserviência para cima, arrogância para baixo), provocando lentamente, mas quase sempre irremediavelmente, a progressiva destruição da capacidade e auto-confiança colectivas, e, por fim, o desaparecimento daquilo sobre o qual o “líder pretendia exercer o poder”.

Raramente se encontram Líderes capazes de compreender que a mais segura e duradoura forma de conservar “naturalmente” o seu poder é fazer da permanente partilha de poderes, a base da cooperação solidária indispensável ao fortalecimento das próprias lideranças.

Esta talvez seja a mais difícil e importante forma de cooperar, a cooperação entre situações de desigualdade de poderes. Embora os fins das diferentes formas de cooperação sejam idênticos (atingir o mais eficazmente possível os objectivos previamente definidos), nesta cooperação, os meios utilizados alteram a qualidade e a natureza social do produto dela resultante.

Nestas circunstâncias, pratica-se uma forma superior de cooperação, porque quem a proporciona e pratica é suposto poder impor uma relação de submissão, e não o faz. Não o fazendo, por defesa inteligente e esclarecida dos seus interesses e respeito pelos que com ele partilham a luta pelos objectivos em questão, revela superior compreensão das virtualidades duma relação de cooperação, preferindo-a a uma relação de imposição.

Nesta situação, já não se trata de cooperar por necessidade evidente de juntar forças para ser mais forte ou competitivo, trata-se, isso sim, de partilhar saberes e responsabilidades capazes de gerar motivações partilhadas e lideranças democraticamente consentidas pelo reconhecimento consensual dos seus genuínos valores.

Foto: Pedro Martins

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Pois…era bom saber onde é que a roda emperra do lado de cá…


Entrevista a Álvaro Rocha, Presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, sobre as relações de cooperação transfronteiriça.


Idanha-a-Nova tem tido iniciativas de cooperação com o outro lado da Raia?

Sim, podemos falar de cooperação entre Portugal e Espanha, sobretudo no âmbito do Programa INTERREG 3. É um processo já antigo, com várias iniciativas de sucesso. Uma das mais importantes foi a própria construção do Centro Cultural Raiano, erguido aqui na Idanha de comum acordo entre portugueses e espanhóis.

Mas, já antes disso, a ponte sobre o Rio Erges nas Termas de Monfortinho tinha sido uma obra levada a bom termo pelo entendimento existente entre nós, os responsáveis autárquicos de um e de outro lado, com o apoio do Governo da Extremadura.

A própria FEIRA RAIANA que se realiza desde 1994, também é uma iniciativa resultante desta nossa cooperação.


A Feira Raiana realiza-se todos os anos?

Ano sim, em Portugal, ano não, em Espanha, com algumas interrupções como aconteceu no ano passado e talvez venha a acontecer este ano. Vamos ver se ainda se realiza este ano, mas, por aquilo que temos vindo a verificar, não vemos do lado de Espanha interesse na realização da presente edição.


E onde se realiza a Feira Raiana do outro lado?

Não tem local certo. O evento salta de município em município, porque enquanto cá a Idanha assumiu o papel e negociou este tipo de acordo, do lado de lá, o acordo foi feito entre as associações de desenvolvimento local e elas englobavam vários municípios. Logo, em Espanha o evento tem passado pelas várias associações. O que eu pensava é que, uma vez que já passou por todas, agora o evento se centralizasse num só município e fixasse um sítio certo para a sua realização em Espanha. Então seria realizado um ano em Idanha e outro ano nessa localidade fixa, mas até agora nada se concretizou nesse sentido. Tinha-se chegado a um certo entendimento de que deveria ser Moraleja a representar a Feira no país vizinho, mas de facto até agora essa decisão não se concretizou, pelo que a Feira regressará em 2009 a Idanha-a-Nova. Era para ser realizada já este ano aqui na vila, mas devido a um outro acontecimento a decorrer na mesma altura, é impossível a Idanha-a-Nova conseguir pôr de pé dois acontecimentos de tal dimensão no mesmo ano e, sobretudo, no mesmo mês. Moraleja até se dispôs para levar por diante a organização do evento este ano, mas as restantes associações espanholas não aceitaram bem o facto de Moraleja ter feito essa proposta primeiro à Câmara de Idanha e só depois consultar as associações espanholas. Encararam este voluntarismo como uma afronta aos poderes instituídos.


Em que mês se realiza a Feira Raiana?

Já teve diversas opções em Portugal, sendo que o maior número de edições se realizou no mês de Setembro, que era o que tinha ficado determinado. Mas tanto em Espanha como em Portugal já se fizeram ligeiras alterações. A última que se realizou no nosso país foi em Julho, porque era o mês que nos garantia maior estabilidade em termos de meteorologia, porque não temos sido muito felizes com o Setembro – já tivemos duas ou três edições estragadas pelo mau tempo. Penso que a próxima edição a ser realizada em 2009 se vai manter na mesma ordem de ideias e que Julho será o mês eleito para a sua realização.


Acha que haveria vantagem em conhecer melhor o que se passa do outro lado, de como as coisas funcionam do lado de lá?

Nós somos vizinhos, a vizinhança traz alguma proximidade e aquilo que é importante é que se perceba porquê, sendo a Província de Cáceres uma província que liga muito com o nosso concelho, com a nossa Região, e que não é muito privilegiada, com praticamente as mesmas condições que nós, e que não sendo das províncias que mais acompanhou o desenvolvimento do país espanhol, conseguiu, no entanto, crescer duas ou três vezes mais em relação ao nosso País. Ou seja, é importante perceber isto. E nós, mesmo aqui tão vizinhos não conseguimos perceber. Os nossos vizinhos não são quem mais cresce em Espanha e ainda assim conseguem crescer mais que o nosso País. Era bom que tivéssemos uma ligação mais forte, porque conseguiríamos agarrar-nos a um crescimento que não temos conseguido. Só por esse factor merece a pena cooperar e saber como as coisas se processam na realidade no lado de lá.


Pois... era bom saber onde é que a roda emperra do lado de cá...?

Exacto. Como é que o Interior espanhol, que não é a zona que cresce mais em Espanha, ainda assim consegue crescer mais que o nosso litoral. Alguma coisa se passa.


Tem uma opinião sobre isso?

Certamente que as dinâmicas de lá são diferentes das nossas para as realidades serem tão distintas! Ainda ontem esteve aqui na Câmara um político espanhol que nos fez compreender o cenário, mesmo ele sendo de uma área económica e de desenvolvimento tão específica como a energia. Dizia ele que, em Espanha, estavam muito virados para a energia fotovoltaica. De tal forma que já têm problemas de aprovisionamento de componentes para esta indústria. Logo por aí se pode ver que tem de haver um certo apoio do Governo para que esta situação aconteça. Se o Governo está a apoiar os empresários na fotovoltaica, logicamente que há ali um forte investimento das empresas no sentido de procurar captar todo o apoio que o Estado fornece. Eu tinha tido aqui há bem pouco tempo empresários portugueses que se queixavam que os 15 anos que o Estado Português se comprometia a apoiar, em Espanha eram 25! Isto já é razão suficiente para que o investimento marchasse para Espanha com apoios durante 25 anos e não de 15, como acontece em Portugal.

Os empresários portugueses consideram que 15 anos é pouco, que 25 anos é que são adequados para permitir recuperar e refazer os investimentos.

Confrontei então o político espanhol que esteve aqui ontem com esta situação. Ele mostrou-me as diferenças: a burocracia de lá é pouca, a única coisa que exigem do empresário espanhol que pretende uma licença para produzir energia com apoio do Governo é que, por cada megawatt produzido, o empresário tem de garantir três postos de trabalho.

Ou seja, por cada megawatt de autorização, o empresário tem de arranjar três postos de trabalho seja em que área for, tem é de garantir três postos de trabalho para ter autorização para cada megawatt. Tão simples quanto isso. Isto foi a resposta dada por um político espanhol. Se nós não conseguimos ir atrás dos espanhóis, é porque os espanhóis são capazes de ter este tipo de estratégias muito mais facilitadas do que as nossas. Três postos de trabalho em troca duma autorização.


Então quer dizer-nos que: quanto menos burocracia, mais transparentes, directas e práticas as coisas se tornam?

Dá-me ideia que qualquer empresário ou qualquer empresa em Portugal recebe a custosa autorização para produzir megawatts, mas sem se comprometer a nada.

A Espanha facilita todo o processo inicial, não beneficia A, B ou C, antes vê a coisa como um negócio: a quem dá garantia de três empregos por megawatt ser-lhe-á concedida a autorização. É uma visão prática, que me parece que resulta certamente.

Eles dão 25 anos e em troca querem três postos de trabalho por cada megawatt produzido. Penso que até é uma forma de a Espanha resolver o seu problema do desemprego. Não sei quantos megawatts é que eles têm disponíveis para negociar... mas se aplicarem o mesmo critério a outras áreas é uma forma de combaterem o desemprego.


Temos alguma informação sobre se as Aldeias do outro lado da Raia conseguem fixar mais população do que nós?

Temos. Nós sabemos que eles conseguem fixar mais população, porque todo o espanhol desempregado tem um subsídio. E muitas vezes eles não fazem nada para procurar emprego. Não há ninguém na Estremadura Espanhola que não tenha um subsídio para estar apenas obrigado, salvo erro, a qualquer coisa como cerca de um mês de trabalho anual. Durante todo o ano, a pessoa recebe o subsídio, vê-se apenas obrigada a trabalhar e a descontar para a Segurança Social durante um mês. E isto é muito fácil de conseguir, porque os empresários procuram, com os seus interesses também, ter apenas empregados temporários durante esse período. Qualquer empresário com algum trabalho, contrata as pessoas nesta situação e dão-lhe quatro ou cinco dias de trabalho, mais tarde dão-lhe mais dois ou três e as pessoas satisfazem com alguma facilidade esses 30 dias de trabalho obrigatórios. Dentro deste esquema sei que também ficam obrigados a um certo regime de trabalho público e comunitário, como prevenção de incêndios, por exemplo, e depois ainda são capazes de vir concorrer com os portugueses em desigualdade. Ou seja, recebendo lá um subsídio do desemprego, ainda pode vir a trabalhar em Portugal, que não é controlado.


Este regime de protecção social é do Estado espanhol, ou tem uma complementaridade da Junta da Estremadura?

Esta é uma situação apenas e só controlada pela Junta da Estremadura, não tem nada que ver com o Estado, é um esforço suplementar da Junta da Estremadura.


Ou seja, temos do outro lado um "Governo Regional" que faz um esforço suplementar por ser um território fragilizado?

Do lado de cá não se consegue fazer, porque não temos qualquer forma de suportar essa despesa. Basta compararmos a nossa Salvaterra do Extremo à espanhola Zarza la Mayor, que há uns aninhos estavam as duas nas mesmas condições. Partiram as duas do mesmo ponto, e, hoje em dia, as diferenças são notórias. Do lado de cá, Salvaterra conta com cerca de 300 pessoas, já Zarza conta com uma população equivalente à de Idanha-a-Nova. E porquê? A maior parte das pessoas com assento naquela terra estão a receber o abono por desemprego. A primeira grande diferença é que se vêem muito mais crianças, muito mais gente, muito mais movimento pelas ruas. Na altura até pensei que era como em Idanha, que vinham crianças de muitos outros Ayuntamientos para ter aulas ali em Zarza, ao que me responderam logo que não. Todas aquelas crianças são mesmo naturais de Zarza la Mayor. É totalmente diferente quando comparada com o nosso lado. Eu vi uma população com muita gente jovem do lado de lá e com muitos idosos do lado de cá. A gente jovem existe, porque os pais recebem subsídios, mantêm-se ali, têm filhos e fazem a sua vida por lá. Aqui não mantemos os jovens, porque não temos fixação de população. Não conseguimos dar condições para que as pessoas estabeleçam vida por aqui.

Temos de tentar perceber onde reside este abismo. Afinal, onde é que eles empregam as suas gentes? Cheguei à conclusão que parte deles trabalham em Portugal no lugar dos portugueses que não estão cá. Eles ocupam este espaço, porque a nossa mão-de-obra não existe. Ainda assim é uma concorrência desleal, porque eles recebem subsídio de desemprego de lá e ainda vêm receber dinheiro pelo trabalho que fazem cá, uma vez que não há forma de serem controlados. Trabalhando em Portugal, conseguem tornear uma série de questões impossíveis de contornar se trabalhassem em Espanha.

Mas acredito que o mesmo aconteça em relação a portugueses a trabalhar em Espanha.


O que é que se pode fazer mais e melhor?

Penso que aquilo que deve ser a nossa obrigação é saber como é que a nossa vizinhança cresce e nós aqui logo ao lado não crescemos. Penso que consiste na forma prática e negocial com que eles encaram as áreas. Exemplo disso é o já referido negócio das energias fotovoltaicas. 25 anos de apoio em troca de três empregos por megawatt produzido. É um negócio. Uns realizam sem grandes burocracias projectos rentáveis; os outros estão a empatar. Será que a grande diferença está no facto de eles aceitarem correr os riscos inerentes a toda a actividade humana e nós não querermos correr risco nenhum?


Idanha-a-Nova
Maio de 2008

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À conversa com D. Victor Santiago


Na Extremadura espanhola não há milagres, há boas políticas e trabalho!


Victor Santiago Tabares
Concejal de Innovación y e-Gobierno
Ayuntamiento de Cáceres

No dia marcado, havia festa em Cáceres, pelo menos assim me pareceu, é possível que me tenha enganado, talvez haja ali uma festa permanente, ou então é assim que se vive na Capital da Extremadura espanhola!

Após alguns desencontros iniciais, encontrei Victor Santiago, “El concejal”, como todos o designavam (com uma reverência nada parecida com a que por estas bandas se presta a um vereador Municipal, porque um "Concejal Municipal de um território governado autonomamente” não é a mesma coisa que um vereador de uma Câmara Municipal de um território governado de maneira centralizada.

Pelo menos, assim parece, e, como em política (como dizia Salazar) “o que parece é”, não nos surpreenderíamos se, aprofundado o assunto, viéssemos a constatar que a proximidade dos centros de poder de decisão política conferem aos agentes desse poder maior autoridade e reconhecimento.

Feitas as apresentações, colocados à vontade pelo caloroso acolhimento, começou a conversa:


Em Portugal é voz corrente que em Espanha se vive melhor, mas poucos são os que sabem explicar concretamente porquê. A primeira questão que queremos colocar é a seguinte: é verdade ou não que na Extremadura há melhor protecção social do que no resto de Espanha?

Os 7 anos que passei como assessor do Presidente da Junta da Extremadura permitiram-me ter um contacto directo muito amplo e detalhado com as políticas relativas à protecção social. É verdade que, em Espanha, cada um dos Governos autonómicos apostou nas suas próprias linhas estratégicas de desenvolvimento. Agora mesmo, estamos vivendo o paradoxo de que a Catalunha, que é a região mais desenvolvida de Espanha, está com dificuldades de abastecimento de água e de infra-estruturas, porque talvez tenham feito uma grande aposta no desenvolvimento económico e menos na criação de infra-estruturas sociais, assim como a Comunidade de Castilla y Léon, que também é uma Comunidade fronteiriça com Portugal mais a norte, fez apostas muito fortes na concentração urbana, gerou grandes pólos de desenvolvimento económico como Valladolid, Salamanca etc. Contudo, geraram igualmente um processo de despovoamento humano do território. A Extremadura diferencia-se por isso, a aposta foi a de criar igualdade de condições de bem-estar e de qualidade de vida lá onde viviam as pessoas. Isto pressupôs um esforço muito importante em matéria de políticas sociais e de igualdade de infra-estruturas em detrimento de um maior desenvolvimento económico.

A Extremadura esteve durante muitos anos em último lugar em relação aos indicadores de desenvolvimento económico, contudo melhorou muito em protecção social. La Junta de Extremadura (Governo autonómico de Extremadura) complementou os fundos europeus e do Estado com um grande conjunto de políticas territoriais, tentando tratar o conjunto das comunidades existentes como um único território, onde todos tivessem os mesmos benefícios sociais e de desenvolvimento. Nesse sentido, os investimentos foram muitas vezes superiores à própria capacidade da Comunidade Autónoma, mas isso permitiu que de alguma forma a população se fixasse no território. Quer dizer, se não se tivessem aplicado essas políticas territorializadas, provavelmente, nestes últimos 20 anos, o mapa da localização da população teria acusado muito maior concentração nos meios urbanos e maior despovoamento do meio rural.

Mas os investimentos feitos no âmbito dessas políticas, para muitos economistas e governantes, são investimentos de fraco e lento retorno, são pouco aceleradores do desenvolvimento global, por falta de densidade e escala para se auto-reproduzirem...!

O retorno não é menor nem talvez maior, mas isso não é importante. O que é importante é a natureza do retorno, nós produzimos coesão social, que, numa segunda fase, proporcionará o desenvolvimento económico. A grande diferença é que, chegada a segunda fase, o desenvolvimento económico dá-se aqui mesmo e não nos lugares para onde teriam partido as pessoas!

Se o mais importante de tudo são as pessoas, é delas que temos de cuidar em primeiro lugar!

Com idênticos custos, talvez pudéssemos ter tido maior desenvolvimento económico, se tivéssemos investido em cidades como Placência, Mérida e Badajoz, que é o que ocorreu em Castilla y Léon. Essa é uma forma de fazer política. No nosso caso, criámos infra-estruturas de alto nível, do mesmo nível que as que podem ter essas cidades, em comunidades rurais de pequena dimensão, muito abandonadas, muito degradadas e com grandes problemas de marginalidade e, apesar disso, estas comunidades assim apoiadas tiveram recursos suficientes para desenvolver os seus próprios projectos, até para aproveitar melhor as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento rural. O apoio das políticas da Comunidade Autónoma e do Governo Autonómico, conjugadas com as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento rural, como por exemplo o LEADER, permitiram criar condições favoráveis à fixação das populações nas suas aldeias.

Isto não quer dizer que não tenham continuado a existir emigrações internas, que pessoas das comarcas mais isoladas não tenham procurado alternativas nas cidades. Contudo, estas políticas de coesão territorial ajudaram. Nada se pode impor administrativamente, frente aos mecanismos liberais de mercado de deixar crescer e incentivar o crescimento das grandes cidades No entanto, aplicámos mecanismos de regulação social, contidos na política socialista, que ajudam a manter o equilíbrio. Por esta mesma razão, o próprio Governo Regional identifica como fundamentais as “Mancomunidades de Municípios” que têm a sua origem nos grupos de desenvolvimento rural dos anos 90.


Foi grande a conversa, fica aqui um breve resumo que, apesar disso, julgamos ser esclarecedor de alguns dos porquês das diferenças entre os dois lados duma fronteira fisicamente inexistente.

Camilo Mortágua


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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Nos debates organizados pela VIVER sobre "O Turismo ao serviço do desenvolvimento Local", disse-se:


"É triste que um concelho como Castelo Branco, que é um dos maiores do País, tenha apenas uma unidade de turismo rural. É o reflexo da inércia de empresários no sector do turismo nesta Região. Se excluirmos algumas zonas do Pinhal e da Serra da Estrela, não há se calhar outro distrito no País tão carenciado em estruturas turísticas como este".

Foto: Pedro Martins

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Que estratégias para um Turismo que sirva o Desenvolvimento Local da BIS?


Condicionados pela “apetência dominante do mercado turístico”, também nós temos vivido excessivamente, e quase que em exclusivo, do produto “Praias”!

Essa mesma atracção dominante pelo “sol e mar” encaminhou os benefícios da actividade turística quase exclusivamente para as zonas “litorais”, estimulando a construção desenfreada de alojamentos e infra-estruturas públicas nessas zonas de afluência massificada de turistas, acentuando dessa forma o desinteresse pelo investimento nas “zonas interiores” e, consequentemente, o despovoamento profundamente assimétrico dos territórios.

O “Turismo”, lato senso, tem sido ao longo das últimas décadas, o sector da actividade humana com maiores efeitos induzidos no despovoamento do Mundo Rural Europeu, em particular nos Países ribeirinhos quer do Atlântico, quer do Mediterrâneo.

Finalmente, parece que se anuncia o alvorecer de um novo ciclo. O início deste novo século traz-nos repetidos sinais do crescimento consolidado de novas “apetências turísticas” a corresponderem ao desenvolvimento de novos conceitos sobre a conservação da natureza deste Planeta.

A Terra, e não apenas o mar, com tudo o que ela contém de infinitamente grandioso e belo, também começa a interessar turistas… o que é natural!
Um membro do antigo Observatório Europeu do Mundo Rural, afirmava com grande convicção, que:

- “Turismo é: organizar, promover e vender e comprar a DIFERENÇA. Os turistas, são pessoas que se dispõe a comprar momentos e sensações/emoções de vida, que sejam diferentes daqueles que constituem as suas rotinas quotidianas.

Foto: Pedro Martins

Qual o “local” do nosso desenvolvimento?


Desde que se começou a falar em Desenvolvimento Local, em França nos inícios dos anos oitenta do século passado, que a discussão sobre a definição do que seria “Um local de Desenvolvimento” se tem mantido acesa e actual, sem que, em nosso entender, se tenha chegado a uma definição internacionalmente consensualizada. De país para país, as compreensões sobre o que de facto possa ser entendido como “ Desenvolvimento Local” variam muito. A maior das diferenciações verifica-se entre os países de origem latina e os de matriz cultural anglo-saxónica.

Ao debruçar-nos sobre a preparação deste número da VIVER, tendo por grande tema o turismo e as mais aconselháveis estratégias para a sua valorização em favor do Desenvolvimento Local da BIS, a questão do “LOCAL”, sempre recorrente, insinuou-se, mais uma vez, como questão a ser chamada para esta conversa com os leitores.

O Eng. Goulart Carrinho, um Homem bom e inteligente, primeiro responsável pelo programa LEADER em Portugal, fez doutrina ao insistir que “UM LOCAL de Desenvolvimento é um espaço a geometria variável (grande ou pequeno), onde a maioria das pessoas que nele habitam, são capazes de chegar a acordo sobre objectivos comuns e sobre a forma de os alcançar”- nós pensamos que esta é a melhor das definições sobre ( O “LOCAL” do Desenvolvimento Local ).
Por isso nos dedicamos, com obstinada persistência, à tarefa de ajudar a criar as condições para que a Beira Interior Sul – BIS, possa vir a ser um “LOCAL” de Desenvolvimento.

Para que tal possa vir a acontecer, (longo será o caminho) sentimos ser necessário conhecer-nos muito melhor, de Monfortinho a S. André das Tojeiras, de Meimoa à Foz do Cobrão, de Salvaterra do Extremo ao Ninho do Açor, de Aranhas a S. Vicente da Beira, de um extremo ao outro da BIS, governantes e governados irmanados pelo propósito comum de desenvolver a Beira Interior Sul, tudo teremos a ganhar se soubermos melhor “juntar os nossos trapinhos” por uma causa comum.

Para que possa haver desenvolvimento, a palavra-chave é “UNIR". “SEPARAR” é a palavra-chave do subdesenvolvimento!

Desde o aparecimento do Programa LEADER, já lá vão uns largos 15 anos, que a importância do turismo para o Desenvolvimento Local em espaços rurais foi bem identificada.

Bem cedo se chegou à conclusão, quer na Comissão Europeia, quer nos Estados membros, que o turismo era um vector indispensável ao Desenvolvimento Local em meio rural. Em alguns casos, chegou-se ao exagero de o considerar a via salvadora do declínio dos territórios rurais! Acabou por prevalecer o bom senso de considerar que o turismo, lato senso, como actividade compósita de todas as actividades naturais e humanas, é indispensável ao D.L., como elemento aglutinador de todas as potencialidades de um território, mas… impotente ou frágil, quando destinado a utilizar apenas algumas dessas potencialidades e a servir apenas os interesses de alguns.

Camilo Mortágua
Editor-geral

Os segredos do nosso isolamento


Nem todos os ditados populares devem ser tomados rigorosamente em consideração sempre que se trate de fazer progredir a nossa vida. Um deles é aquele que diz: -“o segredo é a alma do negócio”. Sei bem que esta coisa do “segredo ser a alma do negócio” é um conceito profundamente enraizado na nossa cultura popular.

Acontece que, quando aplicado de forma sistemática a nível pessoal, familiar, empresarial e até na governação pública, o segredo funciona como uma muralha à nossa volta, dificultando todo o contacto com o exterior, quer seja negativo ou positivo. O segredo, embora nos dê uma aparente sensação de segurança, de auto-defesa, limita-nos às nossas próprias capacidades e competências, isola-nos, e impede-nos de beneficiar das experiências e conhecimentos dos outros para a resolução dos nossos próprios e “secretos” problemas.

Esta reflexão, caríssimas leitoras e leitores, acontece em consequência de observações que me têm sido feitas ultimamente, a propósito das dificuldades sentidas por pessoas que ousaram investir em pequenos ou médios empreendimentos turísticos ou outros, e que acabaram por desistir face às burocracias e exigências normativas desadequadas ao ritmo de concretização exigido pela rentabilização do investimento feito.

Na maioria dos casos, os investidores também guardaram segredo da sua iniciativa e tentaram resolver sozinhos as dificuldades com que se foram deparando.

Ao perguntar, porquê não recorreram a nós – ADRACES – a maior parte não soube apontar claramente uma razão, alguns disseram que, como não se tratava de pedir financiamentos, pensaram que a ADRACES não as podia ajudar!

Nunca é tarde para perceber a verdadeira razão das coisas. De parte a parte, parece ter-se instalado a ideia de que a ADRACES, como Associação de apoio ao Desenvolvimento Local da Beira Interior Sul – BIS, é vista como mero gabinete de gestão de financiamentos de fundos comunitários. Bate-se a esta porta para... em linguagem simples… pedir dinheiro!

Quando se precisa de Conselho e Apoio experiente em todas as áreas relativas à concepção e gestão de projectos, de acompanhamento facilitador dos tramites burocráticos e legais, de animação até psicológica e moral para vencer as dificuldades, não se pensa nas competências dos técnicos da ADRACES! É frustrante que assim seja, e mais frustrante ainda será se verificarmos que, também nós, involuntariamente, possamos ter concorrido para que assim se pense.

Nunca é tarde para fazer melhor. Acabemos com os “segredos” que criam as barreiras do nosso isolamento. Procuremos entre nós todas as ajudas e complementaridades possíveis para que, entre vizinhos da BIS, possamos concretizar melhor e mais facilmente os nossos anseios e projectos. Fica dito… a ADRACES tem as portas abertas para quem dela necessita, mas é necessário entrar e expor, com frontalidade diremos do que somos capazes.

A revista VIVER que, como instrumento da ADRACES está ao serviço do Desenvolvimento Local da BIS, serve, nesta oportunidade, para estimular a necessidade duma maior articulação e entreajuda entre todas as instituições e pessoas existentes nos quatro Municípios que configuram o território da Beira Interior Sul – BIS.

António Realinho
Director da ADRACES

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Um grande pedagogo, reconhecido, reverenciado… mas esquecido?


António Sérgio de Sousa (03/09/1883 a 24/01/1969)


“Educar uma criança enviando-a à actual escola (1915) é como preparar um automobilista metendo-a no museu dos coches reais.”


"Vemo-nos afogados em um mar de doutores, e não temos talvez dez indivíduos capazes de construir as mais simplices máquinas de agricultura e de indústria... A consequência deste estado de cultura intelectual, falsa, inexplicável e violenta, é que as muitas esperanças mentidas, as muitas ambições recalcadas, todos os anos arremessam para a arena dos bandos civis centenares de corações generosos, que insofridos ante um prospecto de miséria se arrojam às lides políticas, para perecerem ou prearem no cadáver defecado do património da república.

O certo é que a realidade pedagógica continuou sendo a do século XVIII no seu espírito e objectivo: fazer escribas, desembargadores e rimadores; e por falta de uma escola de trabalho (a única adequada às reformas de Mousinho) a nação atolou-se nos empréstimos e revolveu-se em lutas políticas cuja mola fundamental era o assalto ao emprego público".

Extracto de um texto de António Sérgio, de 1915, editado pela Renascença Portuguesa, na colecção "Biblioteca da Educação".

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Obrigado Professores(as) das Escolas da BIS

Professores (as) das nossas escolas são parceiros da elaboração do presente número desta revista. Das suas observações, análises, reflexões e até desabafos, resultaram diferentes e interessantes abordagens sobre os problemas deste tema, que muito contribuíram para alargar o debate sobre a educação que se faz, ou não, nas nossas escolas.

O material resultante é diverso e de grande qualidade, pena é que não possamos publicá-lo na íntegra, por absoluta falta espaço. Dada a riqueza da experiência, gostaríamos de a continuar, encontrando-nos mais vezes, com o objectivo de desenvolver as reflexões iniciadas e, se possível, porque não, organizar a publicação de um livro sobre “a educação raiana”, a que por cá se faz e a que se devia ou poderia fazer. Também nós necessitaremos do estímulo do vosso entusiasmo para uma tal tarefa, se assim o entenderem. Atentamente e expectantes, aguardaremos.

A título de ilustração, aqui vos deixamos alguns “pedaços-fragmentos” das conversas realizadas.


- “Pode-se desde logo começar a discutir o problema pelo facto do Ministério se chamar Ministério da Educação. Não se chama assim por acaso, responde a uma evolução do papel social das escolas”.


- “A altura em que o professor desempenhava a figura com papel mais preponderante nas aldeias já lá vai e por motivos vários. A escolarização nessas alturas era uma coisa perfeitamente não vulgarizada, nem toda a gente tinha acesso à escolarização, uma percentagem muito significativa das pessoas não ia à escola”.


- “(...) as famílias deixaram de ser nucleares no sentido de que deixaram de representar o máximo papel de organização social na sociedade e deixaram de ter igualmente o papel quase exclusivo da educação. À escola cabia apenas o papel da instrução. Também a evolução social da mulher, que deixou de estar tradicionalmente em casa para começar a trabalhar, abriu outra perspectiva para a escola – é a perspectiva de ter os alunos o maior tempo possível dentro da escola. Com o alargamento sucessivo do horário dos alunos, hoje há alunos confrontados com cerca de 40 horas de aulas semanais. Isto tem como principal objectivo o de manter os alunos “guardados” durante o maior espaço de tempo possível. Hoje a escola é uma parte da resposta às exigências e necessidades das famílias, na guarda dos seus filhos”.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Dos rurais envergonhados?

Para o Director desta revista, “VIVER” é falar das vidas vividas pelas Veredas e Avenidas da BIS (Beira Interior Sul). É falar e reflectir sobre a nossa condição e as teias que tecemos para nos relacionarmos uns com os outros e com as coisas existentes na natureza do nosso território. É percorrer assiduamente os nossos “circuitos de manutenção cerebral” da mesma forma que outros percorrem os “circuitos de manutenção física”.


Onde a Cidade?

Já vai havendo muito quem pense que a “Cidade”, ao contrário do que até agora se dava por adquirido e certo, pode não estar onde há muitos prédios e muitas pessoas; mas está, com certeza, onde há “CIDADÃOS”, sejam eles ditos rurais ou urbanos.
São os Cidadãos que formam a “CIDADE” e dificilmente o contrário!
Para estas novas correntes de pensamento, todo o espaço habitado por CIDADÃOS é CIDADE!
Assim, não se deveria chamar – CIDADE – a um denso aglomerado de habitações onde vivam “simples submetidos”, pessoas ignorantes dos seus direitos e deveres sociais, pessoas sem nenhuma espécie de intervenção social, pessoas totalmente passivas sem capacidade para pensar e tão só para aceitar o que a vida lhes vai proporcionando.
Cada pessoa é ou não um “CIDADÃO” (sujeito activo da sua sociedade) quer viva rodeado de floresta vegetal ou de “floresta” de ferros e cimento com muitas luzes de néon.
Pode haver “CIDADE” na casa mais humilde e isolada.
Há muita gente sem arte, grosseira, bruta e sem instrução (entre pessoas ditas urbanizadas), mas… estas classificações continuam a ser definições coladas ao conceito de “rustre”!
“Rustre” ainda é, segundo os dicionários e a enraizada cultura dominante, aquele que pertence ao campo, à vida agrícola. Como se no campo não existissem vidas para além das agrícolas! Como se a vida agrícola, por si só, fosse sinónimo de “vida bruta” e a vida urbana sinónimo de “vida inteligente”.
Anda por aí muita gente que pensa ser “Citadino-urbanizado” e não gosta que os tomem por “rurais”; que não são nem uma coisa nem outra, pese o uso do colarinho engomado e gravata. São personagens que vagueiam no limbo das identidades das comunidades em que fingem integrar-se, estão socialmente mortos! Nem rurais nem urbanos, porque, simplesmente, não são CIDADÃOS.


Os rurais envergonhados

Quem se envergonhar da sua condição de nascença ou de pertença, por razões de ordem social e/ou geográfica, não merece ser de parte nenhuma. Não merece ter tido berço, seja ele urbano ou rural.
Os nossos leitores, os Homens e Mulheres da BIS, sejam eles de onde forem, tenham eles a profissão que tiverem, devem orgulhar-se da nossa cultura e combater esse “acanhamento temeroso” que nos leva, muitas vezes, a desvalorizar os nossos conhecimentos e a exagerar a sabedoria dos outros.
Sem inferioridade nem superioridade de parte a parte, porque a CIDADE é onde estiverem CIDADÃOS e o espaço RURAL é onde se produzem os alimentos de todos.
Produzem-se os alimentos, mas não só… também vêm e vieram dos espaços rurais, das práticas da vida rural, das milenares culturas rurais, a matriz de todos os valores morais e éticos que ainda são (ou deviam ser) referências das sociedades contemporâneas hiper-urbanizadas.
Somos todos rurais e urbanos, cada um segundo a preponderância das suas opções de vida. Esta revista é uma Revista que quer pensar e VIVER jogando para o caixote do lixo das tradições inúteis os anátemas fatalistas sobre a condição das pessoas segundo o seu lugar de nascença ou de residência, ou da sua actividade profissional.

António Realinho
Director da ADRACES

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Qualificação versus Educação?

VIVER - Gostaríamos de ouvir a sua opinião sobre uma questão que tem sido muito recorrente nas nossas conversas com os professores da nossa zona: - é preciso fazer a distinção entre qualificação para saber fazer, e educação para saber SER e Estar. Os Pais e encarregados de educação dos nossos alunos têm as competências profissionais que têm e lhes vão servindo para sobreviver economicamente, mas do ponto de vista da cultural e social, da educação cívica (lato senso) se quisermos, o défice é muito maior. Somos nós, professores, quem sofremos as consequências directas desse défice, tendo que suportar tudo o que daí advém, como a falta de respeito e até a violência física.

Valter Lemos - Se nós não tivéssemos os problemas e carências educativas que temos, o País não precisava de exigir tanto às escolas como exigimos hoje. Eu costumo dizer aos professores uma coisa simples: se educarem os filhos estão a fazer o trabalho deles; porque, educando os filhos, também estão educando os Pais. A questão fundamental é que não podemos partir do pressuposto que temos de educar todos os Pais primeiro, porque os Pais somos nós todos. A função da escola é principalmente em relação às novas gerações, que elas consigam novas competências, saberes, conhecimentos e formas de Ser e Estar mais desenvolvidas do que as que tinham as gerações anteriores, de maneira a que os problemas das gerações anteriores não se repitam na nova geração.
[..] Não podemos esperar que todos os Pais e todas as famílias tenham o desejado nível cultural; é o contrário, temos baixas taxas de educação nas famílias e nos adultos em geral, portanto, isso reflecte-se em toda a sociedade e significa que ainda temos problemas sociais complicados que a escola também deve servir para ajudar a resolver.
A escola não pode ficar à espera que tudo isto seja resolvido para depois actuar. A escola tem um papel promocional para o aumento da igualdade de oportunidades, para conseguir dar uma oportunidade àqueles que, se não houvesse escola, não teriam oportunidade nenhuma.