terça-feira, 5 de agosto de 2008

Pois…era bom saber onde é que a roda emperra do lado de cá…


Entrevista a Álvaro Rocha, Presidente da Câmara de Idanha-a-Nova, sobre as relações de cooperação transfronteiriça.


Idanha-a-Nova tem tido iniciativas de cooperação com o outro lado da Raia?

Sim, podemos falar de cooperação entre Portugal e Espanha, sobretudo no âmbito do Programa INTERREG 3. É um processo já antigo, com várias iniciativas de sucesso. Uma das mais importantes foi a própria construção do Centro Cultural Raiano, erguido aqui na Idanha de comum acordo entre portugueses e espanhóis.

Mas, já antes disso, a ponte sobre o Rio Erges nas Termas de Monfortinho tinha sido uma obra levada a bom termo pelo entendimento existente entre nós, os responsáveis autárquicos de um e de outro lado, com o apoio do Governo da Extremadura.

A própria FEIRA RAIANA que se realiza desde 1994, também é uma iniciativa resultante desta nossa cooperação.


A Feira Raiana realiza-se todos os anos?

Ano sim, em Portugal, ano não, em Espanha, com algumas interrupções como aconteceu no ano passado e talvez venha a acontecer este ano. Vamos ver se ainda se realiza este ano, mas, por aquilo que temos vindo a verificar, não vemos do lado de Espanha interesse na realização da presente edição.


E onde se realiza a Feira Raiana do outro lado?

Não tem local certo. O evento salta de município em município, porque enquanto cá a Idanha assumiu o papel e negociou este tipo de acordo, do lado de lá, o acordo foi feito entre as associações de desenvolvimento local e elas englobavam vários municípios. Logo, em Espanha o evento tem passado pelas várias associações. O que eu pensava é que, uma vez que já passou por todas, agora o evento se centralizasse num só município e fixasse um sítio certo para a sua realização em Espanha. Então seria realizado um ano em Idanha e outro ano nessa localidade fixa, mas até agora nada se concretizou nesse sentido. Tinha-se chegado a um certo entendimento de que deveria ser Moraleja a representar a Feira no país vizinho, mas de facto até agora essa decisão não se concretizou, pelo que a Feira regressará em 2009 a Idanha-a-Nova. Era para ser realizada já este ano aqui na vila, mas devido a um outro acontecimento a decorrer na mesma altura, é impossível a Idanha-a-Nova conseguir pôr de pé dois acontecimentos de tal dimensão no mesmo ano e, sobretudo, no mesmo mês. Moraleja até se dispôs para levar por diante a organização do evento este ano, mas as restantes associações espanholas não aceitaram bem o facto de Moraleja ter feito essa proposta primeiro à Câmara de Idanha e só depois consultar as associações espanholas. Encararam este voluntarismo como uma afronta aos poderes instituídos.


Em que mês se realiza a Feira Raiana?

Já teve diversas opções em Portugal, sendo que o maior número de edições se realizou no mês de Setembro, que era o que tinha ficado determinado. Mas tanto em Espanha como em Portugal já se fizeram ligeiras alterações. A última que se realizou no nosso país foi em Julho, porque era o mês que nos garantia maior estabilidade em termos de meteorologia, porque não temos sido muito felizes com o Setembro – já tivemos duas ou três edições estragadas pelo mau tempo. Penso que a próxima edição a ser realizada em 2009 se vai manter na mesma ordem de ideias e que Julho será o mês eleito para a sua realização.


Acha que haveria vantagem em conhecer melhor o que se passa do outro lado, de como as coisas funcionam do lado de lá?

Nós somos vizinhos, a vizinhança traz alguma proximidade e aquilo que é importante é que se perceba porquê, sendo a Província de Cáceres uma província que liga muito com o nosso concelho, com a nossa Região, e que não é muito privilegiada, com praticamente as mesmas condições que nós, e que não sendo das províncias que mais acompanhou o desenvolvimento do país espanhol, conseguiu, no entanto, crescer duas ou três vezes mais em relação ao nosso País. Ou seja, é importante perceber isto. E nós, mesmo aqui tão vizinhos não conseguimos perceber. Os nossos vizinhos não são quem mais cresce em Espanha e ainda assim conseguem crescer mais que o nosso País. Era bom que tivéssemos uma ligação mais forte, porque conseguiríamos agarrar-nos a um crescimento que não temos conseguido. Só por esse factor merece a pena cooperar e saber como as coisas se processam na realidade no lado de lá.


Pois... era bom saber onde é que a roda emperra do lado de cá...?

Exacto. Como é que o Interior espanhol, que não é a zona que cresce mais em Espanha, ainda assim consegue crescer mais que o nosso litoral. Alguma coisa se passa.


Tem uma opinião sobre isso?

Certamente que as dinâmicas de lá são diferentes das nossas para as realidades serem tão distintas! Ainda ontem esteve aqui na Câmara um político espanhol que nos fez compreender o cenário, mesmo ele sendo de uma área económica e de desenvolvimento tão específica como a energia. Dizia ele que, em Espanha, estavam muito virados para a energia fotovoltaica. De tal forma que já têm problemas de aprovisionamento de componentes para esta indústria. Logo por aí se pode ver que tem de haver um certo apoio do Governo para que esta situação aconteça. Se o Governo está a apoiar os empresários na fotovoltaica, logicamente que há ali um forte investimento das empresas no sentido de procurar captar todo o apoio que o Estado fornece. Eu tinha tido aqui há bem pouco tempo empresários portugueses que se queixavam que os 15 anos que o Estado Português se comprometia a apoiar, em Espanha eram 25! Isto já é razão suficiente para que o investimento marchasse para Espanha com apoios durante 25 anos e não de 15, como acontece em Portugal.

Os empresários portugueses consideram que 15 anos é pouco, que 25 anos é que são adequados para permitir recuperar e refazer os investimentos.

Confrontei então o político espanhol que esteve aqui ontem com esta situação. Ele mostrou-me as diferenças: a burocracia de lá é pouca, a única coisa que exigem do empresário espanhol que pretende uma licença para produzir energia com apoio do Governo é que, por cada megawatt produzido, o empresário tem de garantir três postos de trabalho.

Ou seja, por cada megawatt de autorização, o empresário tem de arranjar três postos de trabalho seja em que área for, tem é de garantir três postos de trabalho para ter autorização para cada megawatt. Tão simples quanto isso. Isto foi a resposta dada por um político espanhol. Se nós não conseguimos ir atrás dos espanhóis, é porque os espanhóis são capazes de ter este tipo de estratégias muito mais facilitadas do que as nossas. Três postos de trabalho em troca duma autorização.


Então quer dizer-nos que: quanto menos burocracia, mais transparentes, directas e práticas as coisas se tornam?

Dá-me ideia que qualquer empresário ou qualquer empresa em Portugal recebe a custosa autorização para produzir megawatts, mas sem se comprometer a nada.

A Espanha facilita todo o processo inicial, não beneficia A, B ou C, antes vê a coisa como um negócio: a quem dá garantia de três empregos por megawatt ser-lhe-á concedida a autorização. É uma visão prática, que me parece que resulta certamente.

Eles dão 25 anos e em troca querem três postos de trabalho por cada megawatt produzido. Penso que até é uma forma de a Espanha resolver o seu problema do desemprego. Não sei quantos megawatts é que eles têm disponíveis para negociar... mas se aplicarem o mesmo critério a outras áreas é uma forma de combaterem o desemprego.


Temos alguma informação sobre se as Aldeias do outro lado da Raia conseguem fixar mais população do que nós?

Temos. Nós sabemos que eles conseguem fixar mais população, porque todo o espanhol desempregado tem um subsídio. E muitas vezes eles não fazem nada para procurar emprego. Não há ninguém na Estremadura Espanhola que não tenha um subsídio para estar apenas obrigado, salvo erro, a qualquer coisa como cerca de um mês de trabalho anual. Durante todo o ano, a pessoa recebe o subsídio, vê-se apenas obrigada a trabalhar e a descontar para a Segurança Social durante um mês. E isto é muito fácil de conseguir, porque os empresários procuram, com os seus interesses também, ter apenas empregados temporários durante esse período. Qualquer empresário com algum trabalho, contrata as pessoas nesta situação e dão-lhe quatro ou cinco dias de trabalho, mais tarde dão-lhe mais dois ou três e as pessoas satisfazem com alguma facilidade esses 30 dias de trabalho obrigatórios. Dentro deste esquema sei que também ficam obrigados a um certo regime de trabalho público e comunitário, como prevenção de incêndios, por exemplo, e depois ainda são capazes de vir concorrer com os portugueses em desigualdade. Ou seja, recebendo lá um subsídio do desemprego, ainda pode vir a trabalhar em Portugal, que não é controlado.


Este regime de protecção social é do Estado espanhol, ou tem uma complementaridade da Junta da Estremadura?

Esta é uma situação apenas e só controlada pela Junta da Estremadura, não tem nada que ver com o Estado, é um esforço suplementar da Junta da Estremadura.


Ou seja, temos do outro lado um "Governo Regional" que faz um esforço suplementar por ser um território fragilizado?

Do lado de cá não se consegue fazer, porque não temos qualquer forma de suportar essa despesa. Basta compararmos a nossa Salvaterra do Extremo à espanhola Zarza la Mayor, que há uns aninhos estavam as duas nas mesmas condições. Partiram as duas do mesmo ponto, e, hoje em dia, as diferenças são notórias. Do lado de cá, Salvaterra conta com cerca de 300 pessoas, já Zarza conta com uma população equivalente à de Idanha-a-Nova. E porquê? A maior parte das pessoas com assento naquela terra estão a receber o abono por desemprego. A primeira grande diferença é que se vêem muito mais crianças, muito mais gente, muito mais movimento pelas ruas. Na altura até pensei que era como em Idanha, que vinham crianças de muitos outros Ayuntamientos para ter aulas ali em Zarza, ao que me responderam logo que não. Todas aquelas crianças são mesmo naturais de Zarza la Mayor. É totalmente diferente quando comparada com o nosso lado. Eu vi uma população com muita gente jovem do lado de lá e com muitos idosos do lado de cá. A gente jovem existe, porque os pais recebem subsídios, mantêm-se ali, têm filhos e fazem a sua vida por lá. Aqui não mantemos os jovens, porque não temos fixação de população. Não conseguimos dar condições para que as pessoas estabeleçam vida por aqui.

Temos de tentar perceber onde reside este abismo. Afinal, onde é que eles empregam as suas gentes? Cheguei à conclusão que parte deles trabalham em Portugal no lugar dos portugueses que não estão cá. Eles ocupam este espaço, porque a nossa mão-de-obra não existe. Ainda assim é uma concorrência desleal, porque eles recebem subsídio de desemprego de lá e ainda vêm receber dinheiro pelo trabalho que fazem cá, uma vez que não há forma de serem controlados. Trabalhando em Portugal, conseguem tornear uma série de questões impossíveis de contornar se trabalhassem em Espanha.

Mas acredito que o mesmo aconteça em relação a portugueses a trabalhar em Espanha.


O que é que se pode fazer mais e melhor?

Penso que aquilo que deve ser a nossa obrigação é saber como é que a nossa vizinhança cresce e nós aqui logo ao lado não crescemos. Penso que consiste na forma prática e negocial com que eles encaram as áreas. Exemplo disso é o já referido negócio das energias fotovoltaicas. 25 anos de apoio em troca de três empregos por megawatt produzido. É um negócio. Uns realizam sem grandes burocracias projectos rentáveis; os outros estão a empatar. Será que a grande diferença está no facto de eles aceitarem correr os riscos inerentes a toda a actividade humana e nós não querermos correr risco nenhum?


Idanha-a-Nova
Maio de 2008

Descarregue PDF da Revista Viver 9

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