terça-feira, 5 de agosto de 2008

À conversa com D. Victor Santiago


Na Extremadura espanhola não há milagres, há boas políticas e trabalho!


Victor Santiago Tabares
Concejal de Innovación y e-Gobierno
Ayuntamiento de Cáceres

No dia marcado, havia festa em Cáceres, pelo menos assim me pareceu, é possível que me tenha enganado, talvez haja ali uma festa permanente, ou então é assim que se vive na Capital da Extremadura espanhola!

Após alguns desencontros iniciais, encontrei Victor Santiago, “El concejal”, como todos o designavam (com uma reverência nada parecida com a que por estas bandas se presta a um vereador Municipal, porque um "Concejal Municipal de um território governado autonomamente” não é a mesma coisa que um vereador de uma Câmara Municipal de um território governado de maneira centralizada.

Pelo menos, assim parece, e, como em política (como dizia Salazar) “o que parece é”, não nos surpreenderíamos se, aprofundado o assunto, viéssemos a constatar que a proximidade dos centros de poder de decisão política conferem aos agentes desse poder maior autoridade e reconhecimento.

Feitas as apresentações, colocados à vontade pelo caloroso acolhimento, começou a conversa:


Em Portugal é voz corrente que em Espanha se vive melhor, mas poucos são os que sabem explicar concretamente porquê. A primeira questão que queremos colocar é a seguinte: é verdade ou não que na Extremadura há melhor protecção social do que no resto de Espanha?

Os 7 anos que passei como assessor do Presidente da Junta da Extremadura permitiram-me ter um contacto directo muito amplo e detalhado com as políticas relativas à protecção social. É verdade que, em Espanha, cada um dos Governos autonómicos apostou nas suas próprias linhas estratégicas de desenvolvimento. Agora mesmo, estamos vivendo o paradoxo de que a Catalunha, que é a região mais desenvolvida de Espanha, está com dificuldades de abastecimento de água e de infra-estruturas, porque talvez tenham feito uma grande aposta no desenvolvimento económico e menos na criação de infra-estruturas sociais, assim como a Comunidade de Castilla y Léon, que também é uma Comunidade fronteiriça com Portugal mais a norte, fez apostas muito fortes na concentração urbana, gerou grandes pólos de desenvolvimento económico como Valladolid, Salamanca etc. Contudo, geraram igualmente um processo de despovoamento humano do território. A Extremadura diferencia-se por isso, a aposta foi a de criar igualdade de condições de bem-estar e de qualidade de vida lá onde viviam as pessoas. Isto pressupôs um esforço muito importante em matéria de políticas sociais e de igualdade de infra-estruturas em detrimento de um maior desenvolvimento económico.

A Extremadura esteve durante muitos anos em último lugar em relação aos indicadores de desenvolvimento económico, contudo melhorou muito em protecção social. La Junta de Extremadura (Governo autonómico de Extremadura) complementou os fundos europeus e do Estado com um grande conjunto de políticas territoriais, tentando tratar o conjunto das comunidades existentes como um único território, onde todos tivessem os mesmos benefícios sociais e de desenvolvimento. Nesse sentido, os investimentos foram muitas vezes superiores à própria capacidade da Comunidade Autónoma, mas isso permitiu que de alguma forma a população se fixasse no território. Quer dizer, se não se tivessem aplicado essas políticas territorializadas, provavelmente, nestes últimos 20 anos, o mapa da localização da população teria acusado muito maior concentração nos meios urbanos e maior despovoamento do meio rural.

Mas os investimentos feitos no âmbito dessas políticas, para muitos economistas e governantes, são investimentos de fraco e lento retorno, são pouco aceleradores do desenvolvimento global, por falta de densidade e escala para se auto-reproduzirem...!

O retorno não é menor nem talvez maior, mas isso não é importante. O que é importante é a natureza do retorno, nós produzimos coesão social, que, numa segunda fase, proporcionará o desenvolvimento económico. A grande diferença é que, chegada a segunda fase, o desenvolvimento económico dá-se aqui mesmo e não nos lugares para onde teriam partido as pessoas!

Se o mais importante de tudo são as pessoas, é delas que temos de cuidar em primeiro lugar!

Com idênticos custos, talvez pudéssemos ter tido maior desenvolvimento económico, se tivéssemos investido em cidades como Placência, Mérida e Badajoz, que é o que ocorreu em Castilla y Léon. Essa é uma forma de fazer política. No nosso caso, criámos infra-estruturas de alto nível, do mesmo nível que as que podem ter essas cidades, em comunidades rurais de pequena dimensão, muito abandonadas, muito degradadas e com grandes problemas de marginalidade e, apesar disso, estas comunidades assim apoiadas tiveram recursos suficientes para desenvolver os seus próprios projectos, até para aproveitar melhor as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento rural. O apoio das políticas da Comunidade Autónoma e do Governo Autonómico, conjugadas com as políticas europeias de apoio ao desenvolvimento rural, como por exemplo o LEADER, permitiram criar condições favoráveis à fixação das populações nas suas aldeias.

Isto não quer dizer que não tenham continuado a existir emigrações internas, que pessoas das comarcas mais isoladas não tenham procurado alternativas nas cidades. Contudo, estas políticas de coesão territorial ajudaram. Nada se pode impor administrativamente, frente aos mecanismos liberais de mercado de deixar crescer e incentivar o crescimento das grandes cidades No entanto, aplicámos mecanismos de regulação social, contidos na política socialista, que ajudam a manter o equilíbrio. Por esta mesma razão, o próprio Governo Regional identifica como fundamentais as “Mancomunidades de Municípios” que têm a sua origem nos grupos de desenvolvimento rural dos anos 90.


Foi grande a conversa, fica aqui um breve resumo que, apesar disso, julgamos ser esclarecedor de alguns dos porquês das diferenças entre os dois lados duma fronteira fisicamente inexistente.

Camilo Mortágua


Descarregue PDF da Revista Viver 9

Sem comentários: