terça-feira, 5 de agosto de 2008

É a vida que está cara… Ou nós é que não sabemos comprar?

Mas a vida também se compra!? Claro… a todas as horas e todos os dias compramos coisas boas e más para vida. Escolher as compras que alimentam e prolongam a duração da vida ou as que, pelo contrário, só a agridem e diminuem, deviam ser opções livres e responsáveis… mas não são. Neste mundo, existem multidões de seres humanos que são obrigados a comprar, apenas e tão só, aquilo que os seus parcos rendimentos lhes permitem, quer em qualidade, quer em quantidade.

Mas também existem os que, sem necessidade, compram o que agride a própria vida, por simples “opção de vida”!

Destes últimos não nos ocuparemos nesta reflexão que nos propomos partilhar com os leitores destas páginas do número 9 da nossa revista.

Todos ouvimos, vemos e lemos as notícias da crise alimentar, do aumento dos preços dos produtos básicos da nossa alimentação. “A vida está tão cara” que os pobres não a conseguem alimentar! Mas… será mesmo assim?

O que é um produto caro? – É um produto que sendo essencial à manutenção da vida, não está ao alcance da maioria, ou é um produto, produto da intoxicação “marketingueira” em favor do crescimento do consumismo/produtivismo ad infinitum, comprado por ignorância ou simples tentativa de aquisição de status social?

Caro é um quilo de arroz pelo qual cheguemos a pagar 2 ou 3 euros, ou uns bilhetes para o futebol ou para ver a Madonna a 60 euros?

Caro é um quilo de bom peixe por 6 ou 8 euros, ou mais; ou 2 decilitros de creme para fazer caracóis brilhantes no cabelo, pelos mesmos 6 euros? (São apenas alguns exemplos).

Bem sei, é subjectivo, e nem só de estômago é feito o Homem! Cada pessoa tem as suas necessidades, etc. e tal. Pois é, mas, normalmente, a cabeça não funciona com estômago vazio! E, também normalmente, sucede acontecer o que aconteceu ao burro do cigano, quando estava habituado a não comer… morreu.

Muitas das vozes, que agora mais se ouvem a defender os pobrezinhos que não podem comprar a comida ao preço que está ou vai ficar, pertencem às mesmas pessoas, às mesmas organizações e interesses, que ao longo destes últimos 25 anos aproximadamente, obrigaram os produtores de bens alimentares, sobretudo os mais pequenos – e menos competitivos em relação aos grandes grupos internacionais agro-alimentares –, a terem de produzir abaixo dos custos reais de produção, condenando-os à miséria ou a abandonar as suas explorações, a emigrar para os centros industriais, para aí trabalharem para quem objectivamente os tinha “escorraçado” dos campos!

Quiseram habituar-nos a uma alimentação “abundante e barata” (há 60 anos uma família gastava o dobro para se alimentar), sem olhar à qualidade, para que dos rendimentos das famílias sobrasse o suficiente para lhes comprarmos todas as “bugigangas mais ou menos supérfluas” que o seu grande espírito empreendedor e a ânsia de lucros iam produzindo.
A partir dos “famosos gloriosos anos” que se seguiram por três curtas décadas à última grande guerra, o poder político passou definitiva e radicalmente de mãos, saiu dos campos e concentrou-se nas mãos dos grandes senhores da indústria manufactureira e da banca, sua intermediária na captação dos recursos financeiros necessários à sua expansão.

Controlado o poder político e financeiro, ainda por cima apoiados por políticas subsidiárias geridas pelos próprios e pagas por todos nós, foi-lhes fácil apoderar-se dos meios de produção, de transformação e distribuição agro-alimentar, concentrando nas suas mãos o controle do mercado; quando o conseguiram, bastou-lhes provocar a escassez para aumentar os preços e os lucros próprios, mas não para dar o justo pagamento a quem possa produzir em pequena escala e com a garantia de qualidade que é dada pela relação directa entre produtor e consumidor.

Hoje, querem convencer-nos de novo que os responsáveis por alimentar os pobres deste Mundo são quem produz alimentos. Na opinião deste sábios economistas: os trabalhadores agrícolas, os pequenos e médios agricultores, as pessoas que se esforçam por cuidar da terra mãe e da qualidade do que comemos, é que têm que vender a perder o produto do seu trabalho, para que os pobres gerados pela lógica da competitividade sem limites se possam alimentar!

Que se acabem os subsídios e se criem as condições para que quem produz possa viver dignamente do seu trabalho, sem estar à mercê de esmolas condicionantes da liberdade de opções e de opinião.

Em última análise, a questão dos pobres poderem ou não adquirir o essencial da sua alimentação não é um problema agrário, é uma questão social. Subsidiem-se os consumidores pobres e pague-se a quem produz o justo preço pelo seu trabalho!

Caros leitores, pode parecer-vos estranho que, sendo "A cooperação e o Desenvolvimento Local" o Grande Tema desta edição, tenha derivado para estes ligeiros comentários sobre o tema da crise alimentar. Por estranho que vos pareça, penso que uma coisa tem tudo que ver com a outra, a valorização dos nossos produtos locais e a reanimação dos nossos campos e aldeias dependem da evolução que vier a ser dada a estas questões.

Se estas breves linhas tiverem servido para despertar em vós algum interesse pela discussão destes assuntos, dou-me por satisfeito.

Boas férias, se possível cá dentro, em segurança rodoviária e alimentar.

O Editor,
Camilo Mortágua

Descarregue PDF da Revista Viver 9

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