sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Novo Ano

Sendo este o primeiro número de dois mil e nove, quero endereçar a todos os considerados leitores da VIVER votos de sobrevivência sem danos maiores, neste novo ano que todos nos anunciam como extremamente difícil.

Esperemos e façamos, uns e outros, tudo o que for necessário para manter e oferecer a quem nos rodeia, se mais não puder ser, pelo menos, um sorriso…

Discursos piedosos, por mais corajosos e verdadeiros que sejam, não devolvem facilmente o optimismo perdido. Enquanto outras soluções não forem encontradas, transformemos os nossos discursos em acções concretas de solidariedade com quem precisa. Sejamos solidários. Demonstremos que “ser português” também é, para lá da retórica, pertencer a uma família que se entreajuda.

Sabemos bem que, pelo menos em parte, também são portugueses alguns dos iluminados da finança (praticantes do capitalismo de casino) causadores destes maus momentos que estamos a viver… os corações revoltam-se e as nossas mentes clamam por justiça. Porém, o mais urgente é cuidar dos vivos – como diria o Marquês. Aqui pela BIS, honrando as mais nobres tradições beirãs, vamos estar atentos às dificuldades alheias, vamos unir-nos para melhor resistir, vamos demonstrar que estas terras são terras de acolhimento nos bons e nos maus momentos.

Façamos tudo para que, pelo menos por aqui, na BIS, as portas se abram a quem precisa, e o calor dum gesto amigo transforme a dádiva em solidariedade, nunca em esmola. Que cada um de nós esteja atento à sua volta, que ninguém seja ignorado. Que os constrangimentos sentidos pelos “novos pobres” em demonstrar a sua pobreza, não nos deixe indiferentes.

Que a crise seja transformada numa oportunidade para proclamar a bondade de viver numa terra solidária. São estes os nossos mais sinceros e veementes apelos.


Ano novo, “vida nova”

Iniciamos com este número a segunda série desta publicação. Com um “visual” diferente, mas obedecendo aos mesmos princípios e objectivos que, desde o início, nos têm orientado.

Compete-me assumir por inteiro a decisão desta mudança ditada exclusivamente pela vontade de experimentar fazer diferente, de encontrar na possível diversidade de estilos, novas oportunidades de satisfação de diferentes sensibilidades.

A toda a equipa que produziu os primeiros dez números da primeira série, envio as minhas felicitações pela excelente qualidade do trabalho realizado.

Aos que agora iniciam a sua colaboração, desejo que possam retirar do futuro trabalho conjunto as maiores satisfações pessoais e profissionais; aos que permanecem, manifesto o meu desejo de que continuem a dar à VIVER toda a dedicação, competência e empenho que até agora têm demonstrado.


Os nossos Parceiros

Por último, dirijo-me aos primeiros, ou seja, aos Parceiros da ADRACES, membros da Parceria para o Desenvolvimento da Beira Interior Sul – BIS (objecto do grande tema do presente número) manifestando-lhes, uma vez mais, a disponibilidade da VIVER, para apoiar os trabalhos da Parceria e sustentar, na medida das nossas possibilidades, a dinâmica das suas acções.

Boa saúde para todos.

António Realinho
Director




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A CRISE…A CRISE…A CRISE…A CRISE?

I

- SERÁ QUE ELA É CEGA, MAS VÊ, SEM QUE A GENTE SAIBA PORQUÊ? Assim como dizem que o amor é?

E se assim for, de quem é que ela se desvia, a quem é que ela ataca em primeiro lugar?

Vai tocar a todos, dizem! – E se, de repente, todos ficássemos desempregados? Como iríamos sobreviver?

Pode-se viver sem emprego, mas não se pode viver sem comer… não é? Só que para poder comer, por agora, é preciso ter dinheiro para o comprar. Ou talvez não. Desempregados, podíamos ter tempo para produzir o que comemos, com um bocadinho de terra, de água e sol, e vento e sombra, e umas quantas mãos cheias de bosta; podíamos arranjar com que nos alimentar e ocupar o nosso tempo de desempregados… bom, é melhor nem pensar… é muito complicado, tudo isso.

As “altas individualidades” das macro-ciências sociais, económicas e políticas estão procurando, e, como no passado, encontrarão as melhores soluções para combater a maligna!

Ocupemo-nos da VIVER e da VIDA cá pelas nossas veredas da Raia, imitemos as formigas e, com a ajuda de todos os Santos e Virgens cá da BIS, havemos de ter comidinha para passar o Inverno da CRISE.

Se soubermos ser como as formigas, mesmo morrendo muitos, sobreviveremos!

II

Como disse o poeta cantor naquela canção que muitos de vós conheceis (se não conhecerem vão à “NET”) – “O MUNDO É FEITO DE MUDANÇA”. Como fazemos parte do Mundo, também decidimos contribuir para a mudança. Serão vocês, anónimos e estimados leitores, a dizer de vossa justiça.

Outra canção, esta menos conhecida e mais antiga, dizia assim: “Para melhor…está bem, está bem. Para pior, já basta assim”. Estaremos atentos ao sentido dos vossos “cantares.”

III

Como podem verificar, este número está dedicado aos Parceiros e à Parceria para o Desenvolvimento Rural da BIS.

Daqui saudamos todos, os que já são, os que gostariam de ser mas ainda ninguém os convidou, e mesmo aqueles que não se interessam por estas coisas e têm mais que fazer, porque não se pode perder tempo, que a vida está difícil…

Nós, aqui na VIVER, também temos mais que fazer, mas nada mais importante. Por isso, aqui deixamos o convite a que nos convidem para também sermos parceiros. Se nos aceitarem, prometemos aportar-vos desassossego e inquietações suficientes para que a Parceria não adormeça nem desapareça perdida no limbo do esquecimento.

Esta revista, que já é vossa, pode ser mais e melhor usada pelos parceiros, tomem a iniciativa, que nós cá estaremos para corresponder aos vossos apelos.

Camilo Mortágua
Editor




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Sobre PARCERIAS


CM
Foto: Pedro Martins

Uma das grandes dificuldades para o correcto funcionamento de uma parceria, talvez mesmo a maior, a necessitar de contínuo trabalho e grande experiência, é a de transformar as naturais e legítimas contradições de interesses, em contradições de dinâmica positiva e convergente.

É por isso que pretender meter tudo no mesmo saco; imaginar que é praticável confundir uma parceria de âmbito sub-regional com uma parceria efectivamente local; imaginar que representantes da Administração Pública e os dirigentes e técnicos das organizações da Sociedade Civil estão preparados e têm condições objectivas para trabalhar em parceria; apregoar voluntariosamente a criação de PARCERIAS, desinteressando-se da formação dos parceiros; exigir a apresentação formal de listas de parceiros sem ter a possibilidade material de verificar porque processo de participação/formação é que se adquire essa qualidade; exigir retoricamente qualidade, autenticidade e transparência no funcionamento das parcerias, sem afectar a cada uma os recursos indispensáveis ao justo pagamento do trabalho que a assistência e dinamização duma parceria implicam; é…, para todos os efeitos práticos, a demonstração evidente de que quem concebe e enquadra políticas e programas baseados em PARCERIAS não acredita na possibilidade de serem cumpridas as exigências qualitativas que faz, aceitando, por vezes, a sua defeituosa ou perversa existência, sem consequências para os “fingidores”, gerando-se assim uma tácita cumplicidade entre controladores e executantes, baseada em sub-entendidos que permitem que a maioria das PARCERIAS existentes não passem de PARCERIAS DE PAPEL.


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Trabalhos Ciclópicos


António de Abrunhosa
AFLOBEI - Associação de Produtores Florestais da Beira Interior


A agricultura não parece ser o futuro desta região. Mas, como a indústria o é cada vez menos e não se pode povoar uma região só com funcionários públicos, talvez se tenha de voltar a pensar na agricultura. Desde logo, porque o povo não desapareceu, apenas abalou para onde se come muito mas não se faz comida (não nascem couves no Colombo). E, depois, porque o que se come lá e não se faz cá, de algum lado virá e alguém o pagará. Foi mais ou menos a pensar nisto que os criadores da Comunidade Europeia inventaram a política agrícola comum. E, ainda hoje, os países mais desenvolvidos da Europa e do mundo têm poderosos sectores agrícolas. E se a coisa fazia sentido nos anos 50 quando os Chineses estavam longe do bilião e viviam felizes com uma malga de arroz por dia, faz muito mais sentido hoje quando 3 biliões de pessoas, que vivem para lá do meridiano que passa em Izmir, se habituaram já a comer frango e borrego ou porco e vaca ao almoço e ao jantar.

[…]

Na Beira Baixa já não vamos a tempo de relançar uma agricultura produtiva de dimensão nacional depois da destruição pelo presente Ministro do último grande ciclo de investimento permitido pelo tabaco que teria sucedido aos do trigo e do tomate. Resta-nos salvar produções especializadas de alta qualidade e revitalizar o meio rural com todas as contribuições que este traz a uma população cada vez mais imersa nos programas do Goucha ou nos Buzz das playstations.

É uma tarefa ciclópica em sentido literal, porque já só temos um olho (o outro já ficou em Bruxelas) e o dinheiro quase não dá para mandar cantar um cego.


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Cooperar para Desenvolver


Domingos Santos
Docente do IPCB – Instituto Politécnico de Castelo Branco


No decurso de um trabalho em que colaborei, tive oportunidade de conhecer um empresário da região que, sem ponta de ironia, afirmava basear a sua conduta no chamado código de ética do ilusionista:


“Não dizer o que se faz;
Não fazer o que se diz;
Dizer o que não se faz;
Fazer o que não se diz”.


Este episódio parece-me constituir, em boa verdade, uma metáfora bem ilustrativa de alguns dos desafios que enfrenta o mundo rural. Em grande parte do universo empresarial e institucional mais tradicional prevalece ainda esse espírito de solidão e de secretismo pouco esclarecido, de quem não percebeu a mudança e o significado dos novos tempos e dos novos desafios. A verdadeira grande ilusão é continuar a perspectivar as estratégias de inserção na economia-mundo como se tudo resumisse ao velho chavão de que o segredo é a alma do negócio! Se os agentes mal se dão a conhecer, como podem criar laços de confiança que são o fermento de qualquer projecto de cooperação?

[…]

A interacção de carácter cooperativo e estratégico é, a este nível, um instrumento fundamental. No fundo, a globalização torna ainda mais premente a necessidade de os actores locais se dotarem de planos e estratégias para se reposicionarem às escalas nacional e internacional. É importante que os territórios se abram ao mundo, mas de forma organizada e inteligente. Diferenciada. O mais importante para as comunidades locais é crerem em si próprias. Sem esta confiança nos seus recursos, na sua inteligência, na sua energia, nenhuma alcançará o sucesso a que aspira.

[…]

Persiste, em Portugal, a lógica paternalista de que cabe ao Estado central representar o mundo rural nos processos de negociação, onde, por razões que são de todos conhecidas, existe um manifesto défice de capacidade reivindicativa. Mais descentralização, mais confiança nos diferentes actores locais, mais regulação institucional e maior conhecimento das realidades locais e regionais seriam caminhos seguramente mais eficazes e democráticos para o desenvolvimento rural integrado e participado.


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